sexta-feira, 23 de junho de 2017

Aumento do valor de IPTU pode chegar a 100% em áreas valorizadas da cidade

Proprietários de imóveis dizem que serviços prestados pelo governo não justificam reajuste


O professor Jairo Farfiães teme IPTU de seu imóvel suba em mais de 100% - Márcio Alves / Agência O Globo

RIO - O projeto que o prefeito Marcelo Crivella apresentou à Câmara dos Vereadores com mudanças no cálculo do IPTU poderá até dobrar o valor do imposto em regiões mais valorizadas da cidade, principalmente na Zona Sul. A constatação foi feita por especialistas procurados pelo GLOBO para fazer simulações com base em planilhas que a prefeitura encaminhou na última quarta-feira aos vereadores. Um dos que serão afetados, se a medida for aprovada sem alterações, é o professor de educação física Jairo Fafiães. Morador de um apartamento de 68 metros quadrados na Rua Getúlio das Neves, no Jardim Botânico, ele foi surpreendido com a notícia de que o imposto poderá passar de R$ 1.122 para R$ 2.252 (100,71%), de acordo com cálculos de especialistas.

A insatisfação do professor com a qualidade dos serviços públicos no Rio explodiu quando ele soube dos planos da prefeitura. Fafiães critica, por exemplo, a falta de abrigos para a população de rua e as vias esburacadas. Na lista de queixas, está ainda a falta de preparo da cidade para suportar os temporais. Na última terça-feira, Fafiães enfrentou um bolsão d’água para chegar em casa com sua moto. Resultado: um prejuízo de mil reais porque o veículo enguiçou.

— A aparência do Rio é de uma cidade abandonada pelas autoridades. A qualidade dos serviços oferecidos é péssima. Nada justifica um aumento de IPTU. A população deveria se reunir e protestar. Se esse aumento for aprovado, vou ter que me virar para tentar pagar. Mas muita gente não terá condições para isso — disse o professor.

REAJUSTE EM DUAS VEZES

O projeto de lei que chegou à Câmara prevê que o reajuste seja dividido em duas vezes: a metade em 2018 e o restante seria aplicado apenas em 2019. No caso dos imóveis em regiões mais nobres, vários fatores explicam por que os aumentos seriam mais altos. Um deles é a valorização imobiliária acumulada nos últimos 20 anos, que vai refletir no novo cálculo. Outro é a proposta de acabar com o desconto para quem paga o imposto com valores acima de R$ 1,6 mil (no caso de imóveis residenciais). Hoje há redutor para todas as faixas.

A reação de Jairo Finfães é parecida com a do engenheiro Bene Elieser Vinocour, presidente da Cooperativa dos Peritos Engenheiros e Arquitetos do Rio. Especializado em calcular valores de IPTU para clientes, Bene Vinocour mora na Rua Rainha Guilhermina, no Leblon, a duas quadras da orla. Ele mesmo fez as contas para descobrir que o imposto de seu imóvel passaria de R$ 9.035 para R$ 14.339,00 — um reajuste de 58,70%:

— Esses percentuais são desproporcionais, fora da realidade de uma crise econômica que enfrentamos. Em muitos casos, as pessoas vivem de aluguel e sequer são proprietárias. A base de cálculo sobre o valor venal do imóvel pode gerar distorções. O fato de morar na Zona Sul não significa, necessariamente, que a pessoa conte com serviços de melhor qualidade. Sou vizinho do governador Luiz Fernando Pezão, que já teve o apartamento assaltado duas vezes — disse o engenheiro.

ADVOGADO VÊ CONFISCO

Para o advogado especializado em Direito Tributário, David Nigri, a proposta da prefeitura de aumentar o IPTU, baseando-se na atualização do valor do metro quadrado dos imóveis, não leva em conta a capacidade contributiva do morador e muito menos a realidade atual do mercado. Segundo ele, reajustes elevados, como os que estão sendo previstos, podem ser considerados uma espécie de confisco.

— O governo tem até o direito de estabelecer seus critérios de cobrança. Mas estamos num cenário de crise, com muita gente desempregada ou subempregada. Os percentuais previstos no projeto, mesmo que parcelados em duas vezes, estão muito acima do que as pessoas podem pagar. Os impostos não podem levar a população a uma perda de poder aquisitivo. Isso configura confisco — disse Nigri.
Para o músico João Senise, classe média será a mais afetada pelo aumento de IPTU - Márcio Alves / Agência O Globo

Morador de um apartamento no Jardim Botânico, o músico João Senise também criticou a proposta de Crivella. No caso dele, o IPTU aumentaria 76,13%, de R$ 1.626 para R$ 2.684.

— O valor é absurdo. É claro que a planta de valores precisa ser revista. Mas isso está longe do que possa ser considerado justiça fiscal. O pior é que, por pressão política, pode sobrar é para a classe média pagar o imposto. Ao contrário da Zona Sul, muitos bairros têm vereadores que vão lutar na Câmara para reduzir o imposto de seus eleitores. Isso aconteceu em 1999, quando houve mudanças na legislação do IPTU que deixaram mais de um milhão de contribuintes isentos — disse Senise.

Na Rua Dias Ferreira, no Leblon, comerciantes já estão preocupados com a nova despesa. Há quem fale em fechar as portas se o aumento for muito alto.

— Já pago R$ 12 mil de IPTU. Se subir mais, talvez tenha que fechar — disse Laura Diniz, dona de uma loja de artigos para casa.

Se uns pagam muito na Dias Ferreira, há os que nada pagam. Segundo a prefeitura, 112 proprietários na rua são isentos do imposto. Mas, se o projeto for aprovado, eles serão incluídos no cadastro de contribuintes a partir de 2018.

Moradores de outras regiões da cidade não vão escapar dos aumentos. O taxista Almir Izidoro, que vive numa casa de 263 metros quadrados em Campo Grande, poderá terá o IPTU reajustado de R$ 994 para R$ 1.694, uma alta de 70,4%. Ele contou que o imposto dele deste ano dobrou em relação a 2106 devido a uma atualização de cadastro.

— Não consigo entender isso. Já aumentaram meu imposto e querem elevar ainda mais? Não estou conseguindo nem pagar o que já me cobram. A parcela de junho está atrasada — reclamou Almir.

Bene Vinocour fez também outras simulações. Em São Conrado, um apartamento de 101 metros quadrados na Rua Olímpio Mourão Filho teria o IPTU reajustado de R$ 2.189 para R$ 2.950 (34,7%). Já o imposto de um apartamento de 80 metros quadrados na Rua Cesar Lattes, na Barra da Tijuca, subiria 18,6%. O tributo passaria de R$ 2.270 para R$ 2.694.

Nesta quinta-feira, os vereadores se reuniram com técnicos da Secretaria municipal de Fazenda para discutir as regras propostas. O líder do governo na Câmara, Paulo Messina (PROS), argumentou que o projeto receberá emendas para corrigir eventuais distorções. O vereador disse ainda que vai tentar aprovar a medida até 6 de julho, quando começa o recesso.

stest

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