terça-feira, 5 de junho de 2018

Se eu fosse o professor

"Fosse eu um professor de geografia, história ou matemática, aproveitaria a recente crise dos caminhoneiros pra falar do significado da escassez na economia"

Fosse eu um professor de geografia, história ou matemática, aproveitaria a recente crise dos caminhoneiros pra falar do significado da escassez na economia.

Oposto do excedente, seria de bom uso prático a inclusão do tema extradisciplinar da escassez, quando o querer não é poder, e que mexeu com a vida de todos desta terra em que tudo dá, mas que sem entrega nada chega.

Enfim, fosse eu o professor, aos pequenos, diria que nada é infinito. O lanchinho que a mamãe prepara ou compra para a hora do recreio vem do esforço e do trabalho de alguém para fazer aquilo existir e transportar até você. Nenhum deles é a mamãe, por enquanto. Só depois que chega o presunto, o queijo e o pão em casa é que a mamãe junta todos eles e põe na lancheira.

Aos meninos e meninas um pouco mais adiantados, já incutiria neles compreensões de economia elementar e logística básica. Sua mãe, seu pai, o tio da Van ou do ônibus só te trouxe hoje pra escola porque o outro tio do caminhão levou combustível para o posto que também permitiu que o professor e os outros funcionários da escola viessem trabalhar. A mágica de muitos virem de lugares diferentes e estarem no mesmo lugar, no mesmo horário, seria, enfim, revelada.

Aos jovens até uns 15 anos, ensinaria que produto e preço são explicados pela disponibilidade, que só acontece quando, lá no campo ou na indústria, aqui ou no exterior, há oportunidade, trocas justas, previsibilidade, investimentos, regras, planos e estratégia. Ou seja, condições econômicas de médio e longo prazos. Que o trabalho e o capital dependem um do outro e só coexistem se houver um mínimo de harmonia e vantagem pra todos. Senão, um dia um dos lados cai fora e a roda da economia para de girar. É talvez o único caso em que a estática gera um movimento grande e barulhento: a crise social.

No finzinho da aula, no momento mais descontraído, diria que maçã e banana não nascem na gôndola do supermercado. Que trabalhar em empregos modernos, em corretoras de yuppies de mercado ou ser youtuber não exclui o sujeito que vai continuar plantando trigo pra fazer pão, tirando leite da vaca pra fazer queijo, criando gado pra ter carne e plantando tomate e alface pra rolar aquele hambúrguer maneiro. Trabalho tem valor aqui, ali, lá, acolá e é melhor respeitar se você não quiser ou souber fazer.

Pra rapaziada crescida do ensino médio e das universidades, mais descolada, eu iria na veia do sentido prático da escassez que faria a alegria do pós-aula (ou durante a matada de aula) acabar: a AmBev teve queda no preço das ações na Bolsa durante a greve dos caminhoneiros porque cerveja anda de caminhão. Não tem drone movido a bateria pra entregar breja. Não ainda. Então…

Por fim, na hora que tivesse aquele zum-zum-zum da moçada inconformada, uma pegada de geopolítica com um pergunta: entenderam agora o porquê de os Estados Unidos controlarem desde sempre o Oriente Médio, nas discussões de geografia e história que vocês achavam chatas no colegial?

Bem, mas eu faria tudo isso se eu fosse professor de geografia, história ou matemática.

Os professores reais, provavelmente, não farão nada disso porque estarão seguindo regiamente o conteúdo disciplinar programático dos sistemas ‘X’ ou ‘Y’ de ensino dessa ou daquela grife pedagógica.

E as escolas e os alunos continuarão longe da realidade do Brasil e do mundo.

E os eleitores votando mal.

Do mesmo autor:


CONTINUAR LENDO

CATEGORIA(S): COLUNISTASOUTROS DESTAQUES

Nenhum comentário: