terça-feira, 7 de setembro de 2021

Brasil teme ‘efeito contágio’ nos atos do 7 de Setembro após ameaças de morte contra ministro do STF


Uma das maiores preocupações é a adesão de policiais militares, além da manifestantes mais exaltados. Mobilização de opositores nas principais cidades dos protestos bolsonaristas eleva os temores de conflito.


O Brasil está à mercê de uma guerra aberta entre o Supremo Tribunal Federal e o presidente Jair Bolsonaro. O mandatário se escora em seguidores que promoveram ameaças antidemocráticas —incluindo juras de morte contra o ministro do Supremo, Alexandre de Moraes— na convocação para os atos de 7 de Setembro. Com manifestações da oposição marcadas para o mesmo dia em São Paulo, e com o acampamento de indígenas em Brasília há duas semanas, o temor é de que alguma faísca seja acesa, gerando um caos irreversível.

Já na noite desta segunda-feira, os manifestantes bolsonaristas conseguiram ultrapassar a primeira barreira de contenção montada pela Polícia Militar do Distrito Federal, e chegaram à Esplanada dos Ministérios. Imagens mostram o filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), tirando selfies com os apoiadores. Até a ministra Damares Alves, da pasta de Direitos Humanos, deixou-se fotografar e ser ‘tietada’ ao lado dos bolsonaristas que tomaram a Esplanada, como mostram os vídeos partilhados por ela mesma em suas redes sociais.

A euforia, porém, expôs cenas de um policial mostrando uma arma para conter eleitores do presidente mais entusiasmados que pretendiam avançar os limites impostos pelas grades naquela área. Entre lideranças políticas, já há a preocupação de choques que possam provocar “um cadáver”, num momento em que os ânimos estão candentes entre os bolsonaristas —muitos defendem o fechamento do Congresso ou uma intervenção militar, com Bolsonaro como presidente. “Todos os indicativos que nós temos é de que Bolsonaro quer produzir um ou mais cadáveres. Pode acontecer de policiais celerados, bandidos, uma minoria perigosa, sejam infiltrados para matar uma senhora ou uma criança, para criar um ambiente de caos institucional, para tentar mudar a lógica que está hoje acenando para uma derrota fragorosa”, alertou Ciro Gomes, pré-candidato à presidência da República pelo PDT, neste final de semana.

Enquanto Bolsonaro deixa as provocações correrem soltas, o STF age para impedir a radicalização dos seguidores do presidente que fizeram ameaças concretas a Alexandre de Moraes. Desde o fim de semana, Moraes, responsável pelo inquérito que investiga atos antidemocráticos, acatou o pedidos de prisão de bolsonaristas que o ameaçaram de morte pelas redes sociais e determinou o bloqueio de contas de ao menos duas entidades ruralistas suspeitas de financiar os atos, além de autorizar a busca e apreensão na casa de investigados por estimular atos de violência contra ministros da corte.

Nesta segunda, foi preso o ex-policial Cassio Rodrigues de Souza, que ameaçou de morte Moraes e sua família pelo Twitter. No domingo, foi a vez de Marcio Giovani Niquelatti, que disse ao vivo nas redes sociais que um empresário oferecia dinheiro pela cabeça do ministro do STF, “vivo ou morto”. Outros apoiadores do presidente que trabalharam na organização dos atos deste dia 7, como o blogueiro bolsonarista Wellington Macedo e o caminhoneiro Marcos Antônio Pereira Gomes, conhecido pelo apelido Zé Trovão, também foram alvo de mandados de prisão preventiva a pedido de Moraes, no dia 3 de setembro. Gomes, que está foragido, gravou vídeos e fez postagens de teor antidemocrático, como “a justiça começa pela limpeza dos 11 ministros do STF”. Seu advogado afirmou que ele não deve se entregar antes dos atos marcados para esta terça-feira, desafiando a ordem judicial.

Na madrugada de sexta-feira, o publicitário Alexandre da Nova Forjas foi conduzido a uma delegacia de São Paulo, onde foi registrado um boletim de ocorrência por injúria. De acordo com reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, ele se referiu a Alexandre de Moraes como “advogado do PCC”, e falou que os manifestantes iriam “fechar o STF”. As ofensas foram testemunhadas por um segurança da escolta pessoal do magistrado, que estava no Clube Pinheiros, onde os insultos ocorreram. Ele, então, teria acionado a PM, que levou Forjas para prestar depoimento.

No domingo foi a vez de a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) ser ouvida pela PF sobre seu papel na convocação dos atos do dia 7. Ela aproveitou a oitiva para criticar Moraes, e afirmou que ele “ultrapassou os limites legais” com suas decisões, emulando uma tese do próprio presidente segundo a qual o magistrado “não estaria agindo dentro das quatro linhas da Constituição”. Tanto os parlamentares quanto os militantes bolsonaristas alvo dos inquéritos do STF se defendem, dizendo que estão apenas exercendo sua liberdade de expressão, e que toda figura pública é passível de ser criticada. No entanto, a jurisprudência brasileira proíbe que sejam feitas ameaças contra os poderes da República ou seus integrantes. Logo, esses radicais simpatizantes do presidente estariam incorrendo em crime.
Proteção a vídeos que propagam mentiras

Bolsonaro até publicou na manhã desta segunda uma mensagem pedindo “paz e harmonia” durante os atos do dia 7, mas seu ensaio para acalmar os ânimos durou poucas horas. O presidente assinou uma medida provisória que dificulta a remoção de vídeos que propagam mentiras nas redes sociais, algo que beneficia diretamente sua base de eleitores radicais que justificam o ataque à corte —e até ameaças de morte— como “liberdade de expressão”. Na prática, ele alterou o Marco Civil da Internet, uma legislação que foi debatida por anos no Congresso Nacional e é considerada uma das mais completas legislações do setor no mundo. Nos últimos meses, Bolsonaro e sua claque têm sido alvo de ações de empresas como YouTube, Facebook e Twitter por propagarem desinformação, entre elas a de que determinados medicamentos poderiam ser usados no tratamento da covid-19, ou, ainda, que as urnas eletrônicas são inseguras e que e as eleições são fraudadas.

Entre advogados, há a sensação de que o presidente infringiu uma das principais regras para que sejam editadas medidas provisórias, a da urgência e relevância. “O que ele consegue com essa MP é criar mais tensão entre os poderes, se a MP for devolvida pelo Senado ou suspensa pelo STF, e continuar governando pela mentira”, diz a advogada e coordenadora Jurídica da Rede Liberdade, Juliana Vieira dos Santos.

O advogado Gabriel Vinicius Carmona Gonçalves, professor na pós-graduação do Mackenzie, segue a mesma linha. “A edição de uma medida provisória no turbilhão de acontecimentos recentes só cria mais insegurança jurídica sobre uma matéria que é amplamente debatida nacional e internacionalmente, o que reforça sua inconstitucionalidade”. A advogada Santos ainda ressalta que as redes sociais têm 30 dias para se adequarem às novas limitações de remoção de conteúdo; portanto, na prática, nada muda para os atos de 7 de setembro.

O papel das PMs

Uma das maiores preocupações envolvendo os atos convocados para esta terça-feira tem a ver com a adesão de policiais militares aos protestos. Seria uma seara fértil para surgir um efeito contágio do clima belicoso entre agentes armados. Desde os tempos em que era deputado federal, Bolsonaro sempre buscou se aproximar da tropa, visitando quartéis e participando de cerimônias de formatura. Nos últimos anos, o mandatário consolidou uma forte base de apoio dentro das corporações, despertando em governadores o temor de que possa haver insubordinação dentro das fileiras de suas polícias —como o motim ocorrido no Ceará em 2020. Em nota, o Governo de São Paulo informou que o governador João Doria e o procurador-geral de Justiça, Mário Sarrubbo, irão monitorar do Centro de Operações da PM o esquema de policiamento durante os atos na capital. “Cerca de 4.000 policiais militares atuarão na avenida Paulista e no Vale do Anhangabaú”, diz o texto.

Os temores de insubordinação não são infundados. Pesquisa do Atlas Inteligência que ouviu 511 policiais de todas as regiões do Brasil mostra que 25% afirmaram que “com certeza irão participar” dos atos desta terça-feira, enquanto 47% responderam que “certamente não irão participar”. Dentre os que responderam que devem ir às ruas, 30% são policiais militares, 17% são policiais civis e 15% são de outras forças. Um dado do levantamento aponta para a radicalização de setores da tropa: 26% dos policiais ouvidos declararam ser favoráveis à instalação de uma ditadura militar no Brasil, número que salta para 34% quando levados em conta apenas os PMs. A pesquisa tem margem de erro de quatro pontos percentuais para mais ou para menos.

“Os policiais militares são em sua maioria bolsonaristas, existe uma identificação muito grande da tropa com o presidente e suas pautas”, afirma o tenente-coronel aposentado da Polícia Militar de São Paulo Adilson Paes de Souza. Segundo ele, a presença de PMs “da ativa e da reserva, à paisana ou com a farda, portando armas” nos atos desta terça não é improvável, e deve ser um fator de preocupação para a sociedade e as autoridades. “O que precisa acontecer é a identificação imediata e a punição a estes policiais, sejam oficiais ou praças. Tanto punição disciplinar como no campo penal”, afirma Souza.

A situação ganhou contornos mais dramáticos nas últimas semanas à medida em que PMs da ativa e da reserva passaram a engrossar a convocação para os atos deste dia 7. Em São Paulo, Doria afastou o comandante da PM Aleksander Lacerda por indisciplina. O militar estava à frente do Comando de Policiamento do Interior 7, em Sorocaba, interior do Estado, e liderava nas redes sociais uma convocatória para os atos de Bolsonaro com viés antidemocrático. A participação de policiais com uniforme ou qualquer insígnia da corporação em atos políticos é vedada pelo regramento interno dessas organizações. O não cumprimento desta determinação pode configurar crime de motim, com penas de prisão que chegam a até 20 anos.

Apesar de Bolsonaro gozar de alta popularidade entre os policiais, o tenente coronel Souza considera um equívoco associar esta aprovação do mandatário a uma eventual defesa feita por ele de causas e bandeiras da tropa. “Desde quando era parlamentar, Bolsonaro nunca fez absolutamente nada em prol dos direitos dos policiais, nem do ponto de vista previdenciário ou na melhoria das condições de trabalho”, afirma. “O que ocorre é a identificação dos policiais com as bandeiras do presidente, com a figura do presidente. Não tem nada a ver com a melhoria de sua situação de vida ou dentro da corporação”.

Seja como for, o presidente encontrou nas manifestações a seu favor um espaço para aumentar as ameaças de jogar fora da Constituição. Há dias ele investe numa retórica dramática que o ajudam a fugir das críticas sobre a sua gestão e as revelações de suspeitas de corrupção contra ele e sua família. “Eu tenho três alternativas para o meu futuro: estar preso, ser morto ou a vitória”, disse ele há uma semana para seus eleitores. O temor é de que sua tropa se preste a situações-limite que sejam usadas por Bolsonaro como justificativa para aumentar sua pressão autoritária.

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(Por Brasil el País)

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