sexta-feira, 26 de abril de 2013

Minha infância


Minha infância foi em um tempo em que ainda se faziam visitas a parentes. Recordo muito bem de minha mãe mandando eu e meu irmão caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos, a pé. Geralmente, nos finais de semana.
Ninguém avisava nada, o costume era chegar de surpresa mesmo. E os donos da casa nos recebiam alegres. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um. Vinha um e apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão do meu irmão. Aí chegava outro. Repetia-se toda a diplomacia.
– Vamos sentar gente. Que surpresa agradável!
A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre. Eu e meu irmão ficávamos sentados entreolhando-nos e olhando a casa visitada. Retratos e imagens de santos na parede. Casa singela e acolhedora. A nossa também era assim.
Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes. De repente surgia alguém lá da cozinha – geralmente uma das filhas – e dizia:
– Pessoal vem aqui pra dentro que o café está na mesa. Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite, qualhada, rapadura... Tudo sobre a mesa.
Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também.
          Pra quê televisão? Pra quê rua? Pra quê droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança... Era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...
Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração alegre... A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos olhando até eles desaparecerem no horizonte.
O tempo passou. Hoje é cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa.
Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores. Casas trancadas. Pra quê abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos, do leite...
Que saudade daquele tempo!

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