terça-feira, 3 de agosto de 2021

"GAIOLAS E VATICANOS": GAIOLAS E VATICANOS EMBARCAÇÕES AO LONGO DO TEMPO



A VASTA rede fluvial da Amazonia oferece todas as possibilidades para o transporte que se realiza, na região, por numerosos tipos de embarcações, indígenas ou não, escalonadas desde as primitivas “ubás” de casca de pau ou de madeira das árvores, até os navios movidos a hélice, de construção inglesa ou holandesa, “gaiolas” ou “vaticanos”.

As ubás, de tamanho variável, desconfortáveis, sem quilha, são movidas por meio de varas ou pás e constituem as canoas típicas dos silvícolas.

Delas surgiram a “igara”, a “igaramirim”, a “igaraçu” isto é, a canoa, a canoa pequena, a canoa grande e, ainda, a “igarité” ou “canoa verdadeira”, maior que a “montaria” e menor que a “galeota”. A “montaria” teve papel histórico importante no desbravamento da Amazônia. Sua função na colonização da Amazônia foi análoga à do cavalo na zona pastoril. Sua missão ainda hoje é a de transportar o caboclo qual equino deslizando sobre as águas dos rios.

Da forma e construção das ‘igarités’, salientam-se pela grandeza e pelas toldas de pano, as embarcações empregadas nas grandes navegações e nas primeiras explorações dos rios amazônicos, de que resultou provavelmente a galeota, com a sua tolda corrida e a parte da popa fechada em volta, onde o “regatão” mora, durante as suas viagens comerciais pelo interior. Deslocando de duas a quatro toneladas, a galeota é impulsionada por dois remeiros, sentados sob a tolda e utilizando remos de caibros fortes, ajustados para os punhos.

As igarités empregadas na pesca do mar e rio, de boca aberta, “parecendo as velas, asas de morcego”, redondas quase, denominam-se “vigilengas”, assim chamadas por terem os primeiros modelos saídos de Vigia, no Pará. São facilmente reconhecíveis pelo casco negro e pano avermelhado, tingido de macuri, quase sempre.

Possuindo tolda pequena para os cinco tripulantes, na popa, salientam-se, no Pará, “gambarras”, que podem transportar até 80 bois, no seu serviço de condução do gado da ilha de Marajó e, também, as grandes balsas dos índios Paumaris, denominadas “itapabas”, verdadeiras casas flutuantes, com camarim ou casa de palha ao centro, impulsionadas a zinga ou vara.

Todos esses tipos de embarcações existem na Amazônia, ainda nos dias correntes, apesar da revolução operada nos meios de transporte, a partir de 1866, quando foi o Amazonas aberto à navegação internacional e nele introduzida a navegação a vapor.

Em nossos dias as embarcações que trafegam nos rios amazônicos e, em geral, nos do Brasil, segundo explica o engenheiro Moacir Silva, são de construção apropriada a essa navegação, sendo algumas de propulsão à roda, de lado, ou de popa, fundo chato e pequeno calado.

Lembrando o aspecto das barcas que realizam o transporte entre Rio e Niterói, as “chatas”, cuja denominação talvez provenha de seu calado mínimo e de seu casco chato, são navios de roda à popa, que trafegam no alto Purus, alto Juruá e Acre durante o verão. São embarcações de três pés de calado, no mínimo e de umas duzentas toneladas de deslocamento, encerrando duas toldas, máquinas em cima do convés, tipo de que o SNAAPP (Serviço de Navegação da Amazônia e da Administração do Porto do Pará) possui um, pelo menos, com 303 toneladas brutas.

Ao contrário das chatas, que são do tipo inglês, as “chatinhas” têm apenas 160 toneladas brutas, como as atuais do SNAAPP e se destinam, também, aos altos cursos dos rios, à navegação em trechos de profundidade escassa, onde embarcações de grande porte não podem ser utilizadas. Trazem roda à popa e pertencem a modelo americano, possuindo o SNAAPP nove desses navios fluviais.

Todavia, o mais característico navio da Amazônia é o “gaiola”, cuja influência na vida amazônica foi estudada pelo escritor Raimundo Morais, em ‘Na Planície Amazônica’. Ele explica que, “da elevada superestrutura, desenvolvidas obras mortas, dois conveses, camarotes nas amuradas, adveio-lhe o apelido irônico e pitoresco de “gaiola”.

Pondo em comunicação as cidades, vilas, povoados e barracões situados à margem dos rios, o gaiola tem sido um dos fatores de maior influência política, social e econômica na vida da Amazônia.

Com uma chaminé apenas, os gaiolas são navios geralmente do tipo inglês, de tonelagem bruta variável, entre 167 e 600, como sucede com os atuais do SNAAPP.

Há, porém, gaiolas de rodas na popa e nos flancos, de uma e duas hélices, de três a doze pés de calado e de construção outra que não a inglesa.

Nos de dois conveses, situam-se no primeiro os guinchos, escotilhas, cozinha, rancho, camarotes de oficiais, casa das máquinas e, no segundo, as cabines, o bolinete, máquina do leme, copa, bar, despensa, instalações higiênicas, caixa de fumaça, mesas de refeição, sendo de dois e quatro beliches a capacidade de cada camarote.

Mais suntuosos, construídos nos Países-Baixos, movidos por duas hélices, com duas chaminés paralelas, de oito a nove milhas de andadura, iluminados a luz elétrica, os “vaticanos” são gaiolões de 900 a 1.000 toneladas, que oferecem comodidades maiores aos passageiros, em relação a navios menores em que são obrigados a viajar, pelos rios da Amazônia, nos trechos fora do alcance dos “palácios flutuantes”, cuja impressão à noite, deixada por sua esplêndida iluminação, explica, segundo Raimundo Morais, o apelido de “vaticano”, justificando, ainda, pela ideia de massa e de conforto que esses navios fluviais do Amazonas dão, no momento.

Na parte inferior dos “vaticanos” acham-se as mesas e, ao lado, instalações higiênicas, ficando ao fundo a copa, em seguida um salão e, lateralmente, os camarotes e camarins telados, os quais também existem na frente do navio, deixando, entre si, um salão para música. Na parte superior do “vaticano” situa-se a casa de comando e os camarotes da oficialidade e, à retaguarda, o barbeiro. Em baixo, junto à carga, viajam os passageiros de terceira classe, onde não há camarotes e o desconforto é a regra geral.

Atualmente se observa a tendência para denominar-se chatões aos “vaticanos”, dos quais os do SNAAPP são de 951 toneladas e fazem o tráfego principal de Belém a Manaus. A gravura representa dois tipos modernos de navios da Amazônia.

(in Revista Brasileira de Geografia — Ano 4, n° 2)

Fonte: Arnoudo Nunes/Exuberância Acreanas

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