8 de maio de 2017 -
Na terra dos abacaxis grandes e mulheres belas, a situação de Marilete Vitorino está ‘feia’: ela é acusada de pelo menos quatro crimes, entre eles o de comprar votos em troca de combustível, segundo denunciou à Justiça seu ex-coordenador de campanha
Tião Maia
Localizado a 453 quilômetros da capital Rio Branco, na região do Alto Juruá, o município de Tarauacá, o quarto em importância política e econômica do Estado, com uma população estimada em 40 mil habitantes – mais da metade vivendo na zona urbana, é reconhecido país a fora pela beleza de suas mulheres e pela produção de abacaxis – a fruta – em tamanho família. A média atual dos abacaxis produzidos no lugar é da ordem de 12 quilos por unidade, mas há quem afirme já ter colhido exemplares com 20 quilos ou mais, como é o caso do agricultor João Ferreira da Silva, de 44 anos, conhecido como “João Cobra”.
Um fenômeno que nem mesmo os mais experientes pesquisadores conseguem explicar. De acordo com o técnico agroflorestal Cidomar Falcão das Chagas, da Secretaria de Estado de Extensão Agroflorestal e Produção Familiar do Acre (Seaprof), pesquisadores da área chegaram a levar para outras regiões algumas mudas dos abacaxis tamanho família, mas, mesmo plantadas e regadas com todos os cuidados, não produziram frutos do tamanho encontrado em Tarauacá. “É um fenômeno local”, arrisca-se a dizer.
Já o fenômeno da beleza das mulheres do lugar, há quem arrisque também a explicar a origem, seria decorrente da miscigenação. O cruzamento de índias das diversas etnias que povoam a região com os colonizadores nordestinos de origem portuguesa e de outros países europeu geraram as mulheres cuja beleza tem como exemplo os traços da miss Joana Peres de Albuquerque, coroada em 1971, pelo então governador Francisco Wanderlei Dantas, como a mais bela acreana. As fotos da jovem miss – cuja beleza jamais seria igualada por outra acreana -, ao lado de imagens de abacaxis gigantes, fazem parte da decoração da sede da Prefeitura e das demais repartições públicas que destacam os feitos dos taraucaenses e as belezas do município. O símbolo do município é o abacaxi.
A atual administração do município, em pouco mais de cem dias da posse da prefeita Marilete Vitorino, eleita em 2016 pelo PSD (Partido Social Democrata), está cada dia mais associada ao símbolo do município, produzindo um escândalo atrás do outro. A prefeita – cuja beleza também não faria jus às suas conterrâneas – já responde a pelo menos quatro processos e corre sério risco de cassação. Caso se concretize a cassação da chapa que inclui o vice-prefeito Chico Batista, a exemplo do que ocorreu na semana que passou no Amazonas, cujo governador e vice foram cassados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Estado vai ter que convocar novas eleições, Tarauacá terá que ir de novo às urnas.
Marilete Vitorino responde a processos por rolos na gestão anterior e na última eleição
A prefeita Marilete Vitorino tem problemas recentes e da gestão anterior, quando assumiu o cargo em virtude da cassação do prefeito titular, Vando Torquato. Como vice, ela assumiu de forma definitiva e chegou até ser candidata à reeleição, mas perdeu às eleições de 2012 para o médico Rodrigo Damasceno e seu vice Chagas Batista, da Frente Popular do Acre. Mas, quatro anos depois, ela daria a volta por cima e derrotaria os dois numa eleição cujos desdobramentos estão surgindo agora com a série de denúncias que devem levar Marilete e Chico Batista para o cadafalso.
No processo originário de sua primeira gestão, ela é acusada, pelo Ministério Público Federal (MPF), pelo desvio de R$ 218 mil, dinheiro repassado pelo governo federal para a construção de uma creche. De acordo com a denúncia feita pelo MPF, a prefeita Marilete Vitorino pagou os R$ 218 mil a firma de um aliado, Antônio Carlos, para a construção da creche sem que o empresário amigo tenha colocado um único tijolo no local. Agentes federais que apuram o caso estiveram no local onde a creche deveria estar concluída – ou pelo menos em obra – e encontraram só o vazio.
A denúncia sobre o caso foi feita por Rodrigo Damasceneo e chagas Batista logo nos primeiros dias de 2013, assim que assumiram seus mandatos e encontraram o rombo nas contas da Prefeitura. Ao que tudo indica, ao fazer o pagamento por uma obra que não foi sequer iniciada, a prefeita achava que ganharia a eleição naquele pleito e que, uma vez no cargo novamente, resolveria o problema. Não foi isso que aconteceu e o caso está na mesa do juiz federal Jair Facundes, para sentença.
Um segundo caso – e não menos grave – teve origem na campanha eleitoral de 2016 e está sendo apurado na 5ª Vara da Justiça Eleitoral. Ali é investigada uma gravação telefônica na qual o dono de uma academia de ginástica da cidade, Diego Figueiredo, conversa com um amigo dando detalhes de um acordo feito com a então candidata Marilete Virotino. Ele diz a seu interlocutor que negociou 70 votos, de seus clientes e familiares, com a própria Marilete em troca de um tatame para a academia, no valor de R$ 8 mil. O caso foi denunciado pelos advogados da Frente Popular do Acre, que representavam Rodrigo Damasceno e Chagas Batista, mas a prefeita defendeu-se dizendo que jamais conversara com Diego Figueiredo. Aliás, o rapaz foi obrigado a postar, nas redes sociais, uma nova gravação em que se refere ao caso do tatame como uma brincadeira de mau gosto de sua parte. Brincadeira ou não, as investigações revelaram que quem pagou pelo tatame foi o sargento PM Firmino, que vem a ser o esposo de Marilete. Há quatro testemunhas no processo que envolve a compra do tatame, o que caracterizaria o aliciamento eleitoral, prática vedada por lei e capaz de levar os praticantes à punições que incluem cassação e até prisão. A prefeita responde um outro processo na Justiça Eleitoral porque o juiz Guilherme Aparecido do Nascimento Fraga, acatou a ação da Frente Popular e impugnou as contas de Vitorino.
Grandi Almeida, ex-coordenador de campanha denuncia a farra da troca de voto por combustível
Mas, de todas as denúncias, a mais grave e que vem dando o que falar em todas as rodas de conversas do município mostra que a prefeita – que vem a ser presidente da Associação dos Municípios do Acre e aliada in pectori dos senadores Sergio Petecão (PSD) e Gladson Cameli (PP)– se elegeu trocando votos por combustível. O caso tramita na Justiça a partir do depoimento do coordenador de campanha de Marilete, Grandi Almeida, que vem a presidente do PP, o partido de Gladson Cameli. Empresário do ramo financeiro (ele tem uma loja que empresta dinheiro a juros a funcionários públicos e aposentados), Almeida funcionava também como operador da campanha. Foi nesta condição que, em setembro de 2016, em plena campanha, Marilete o ligou dizendo que resolvesse um problema inadiável e fundamental para a vitória eleitoral: o atendimento à reivindicação dos eleitores por combustível.
Grandi Almeida não se fez de rogado: chamou Chico Batista, o candidato a vice de Marilete, e Cleudo Rocha, ex-prefeito cassado e que agora preside o PSD no município, e pediu a lista das pessoas que deveriam receber o combustível. Ato continuo, um adolescente de 14 anos, filho de Chico Batista, foi enviado para o “Pontão” (como é chamado os postos de combustível fluviais, uma balsa atracada no porto) a fim de liberar o combustível a partir da lista enviada pelo comitê. Foram distribuídos mais de 20 mil litros de combustível em troca de votos.
Isso foi contado, com riqueza de detalhes e sob juramento, por ninguém menos que o próprio Grandi Almeida, durante um depoimento em que o objeto da investigação é outra denúncia por compra de voto. Na hora da audiência, o advogado de Marilete, Everton Frota, havia dispensado o testemunho de Grandi Almeida na audiência. O promotor do caso, Paulo Henrique Rolim, no entanto, insistiu para que Almeida depusesse. Interrogado, o promotor quis saber sobre uma nota fiscal em seu poder sobre a aquisição de combustível no valor de R$ 6 mil. Foi quando Grandi Almeida surpreendeu a todos informando que aqueles R$ 6 mil registrados por aquela nota fiscal haviam sido pagos por Marilete e que ele autorizara o gasto com aqueles R$ 30 mil para a farra de combustível em troca de voto. Ou seja, ele não só confirmou o que era apenas uma suspeita como deu detalhes das irregularidades, o que levou a própria Justiça a suspender aquela sessão para uma nova audiência em que deverão ser investigadas as declarações de Grandi Almeida e o escândalo da troca de votos por combustível.
Marielete Vitorino, rapidamente, defendeu-se dizendo que seu ex-assessor estava fazendo tais declarações porque pretendia receber benefícios da Prefeitura, que ela negara. “Quer me chantagear”, disse a prefeita num programa de rádio da cidade. No entanto, no dia 18 de abril do mês passado, dez dias antes da audiência em que Grandi Almeida botou a boca do mundo e revelou os detalhes nada republicanos da campanha, a atual prefeita nomeou Antôno Lazaro Lima de Almeida como secretário municipal de meio ambiente, conforme decreto assinado por Marilete no portal da Prefeitura de Tarauacá. Como o novo secretário vem a ser irmão de Grandi Almeida, os adversários de Marilete Vitorino dizem que a nomeação foi uma tentativa desesperada de calar, diante da Justiça, o seu ex-coordenador de campanha, o que não deu certo.
A nova audiência para apurar o escândalo da gasolina em troca de votos, a partir das denúncias de Grandi Almeida, está designada para ainda este mês, o que está deixando Tarauacá novamente em clima de disputa e sem clima para festivais de abacaxi ou com curso de miss.
Por Tião Maia (Página 20)