|
Juiz de Direito Marlon Machado (foto: www.tjac.jus.br) |
Uma decisão do Juiz da Vara Cível da Comarca de Tarauacá, Dr. Marlon Martins Machado, onde a empresa responsável pelo concurso impetrou mandado de segurança pedido a nulidade do Decreto da Prefeitura que anulou o certame, vem causando polêmica depois que a Vereadora Janaina Furtado leu os termos da mesma no plenário da Câmara de Vereadores.
É que o Juiz nega o pedido da empresa mas não isenta a prefeitura e nem tão pouco o prefeito das responsabilidades sobre os problemas que aconteceram.
O juiz diz que o concurso encontra-se maculado desde o início
Leiam trechos da decisão:
1. ...Desse modo, vê-se que o referido certame encontra-se maculado desde o seu nascedouro, porquanto, ao que tudo indica, a decisão retromencionada não fora cumprida, seguindo-se ilicitamente a efetivação do pregão, com a posterior realização de contrato administrativo e do concurso público decorrente, sem observância do mandamento judicial. Houvera nítido descumprimento da decisão judicial pelo administrador público, culminando, indevidamente, na elaboração do certame de forma irregular, pois inexistira qualquer deliberação judicial posterior autorizando o andamento do feito ou revogando a tutela provisória anteriormente outorgada...
2. ...Vale dizer, os candidatos inscritos extrapolaram as previsões da banca examinadora e, conseguintemente, o impetrante entendera por mais incrível que pareça que deveria aplicar a mesma prova em turnos distintos. Isto é, questões idênticas constavam em provas aplicadas no turno da manhã e no turno da tarde, para distintos candidatos. Este fato supracitado vilipendiara de morte a isonomia que deve basear a realização dos concursos públicos, porquanto determinados candidatos foram indevidamente beneficiados (os que fizeram prova pelo turno da tarde) em razão de já terem possibilidade de conhecer determinadas questões e respostas das provas. Esta imprudência quase criminosa causara enormes prejuízos àqueles que investiram tempo e dinheiro num concurso cuja lisura encontra-se enormemente maculada, extirpando qualquer confiabilidade nos atos administrativos desta estirpe. Ademais, insta ressaltar que, nos termos do item 10.9 do Edital de Abertura deste certame: "a organização, aplicação, correção e elaboração das provas ficarão exclusivamente a cargo da CALEGÁRIO, e os pareceres referentes a recursos serão efetuados em conjunto com a Comissão Especial de Concurso Público". Destarte, a desorganização é responsabilidade exclusiva do impetrante...
3. ...Outra absurdidade ocorrida no certame fora a participação do Prefeito de Tarauacá na condição de candidato, o que viola frontalmente o princípio da moralidade administrativa, insculpido no artigo 37 da Constituição Federal, que proíbe que o agente político máximo da pessoa jurídica que realiza o concurso, que nomeia os membros da comissão especial do certame e que, ao final, será competente para homologar ou não o certame , participe como candidato, pois, além de violar frontalmente a moralidade e o princípio republicano, atenta também contra a isonomia. Ou seja, não é justo que a autoridade que dita as regras a serem seguidas pelo certame seja também um de seus candidatos. É ato de extrema torpeza assinar todos os editais relativos ao concurso público e ter parentes participando deste mesmo certame: o que dizer, então, quando é o próprio Prefeito Municipal quem se submete à aplicação das provas...
Leia abaixo, a decisão na íntegra.
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO ACRE
Vara Cível da Comarca de Tarauacá
Autos: 0700163-34.2016.8.01.0014
Classe: Mandado de Segurança
Impetrante: Calegariox Serviços e Corretagem de Seguros Ltda – Epp
Impetrado: Município de Tarauacá
Decisão
Trata-se de mandado de segurança impetrado por Calegariox Serviços e Corretagem de Seguros Ltda - Epp em desfavor de Rodrigo Damasceno Catão, Prefeito do Município de Tarauacá.
Narra a impetrante que venceu o pregão presencial nº 058/2015, processo nº 2470/2015 e realizou contrato com a Prefeitura Municipal de Tarauacá, para elaboração de concurso público, que originou o edital nº 01/2016.Sucede que, na realização das provas, ocorreram os seguintes fatos: a prova aplicada para o cargo de Enfermagem fora plagiada de um concurso realizado na universidade de Santa Catarina; as provas aplicadas para os cargos de Técnico em Saúde Bucal, Técnico de Análises Clínicas, Técnico de Enfermagem, Agente de Endemias, Auxiliar de Controle Interno e Fiscal Sanitário foram aplicadas aos candidatos nos turnos manhã e tarde e possuíam questões idênticas.
Aduz que já vinha tomando as providências cabíveis com tais provas que comprometeram a lisura do certame, pois, em relação aos demais cargos, não houvera qualquer situação desabonadora dos princípios constitucionais.
Ocorre que a impetrante surpreendera-se com a divulgação do Decreto nº 031/2016, do Prefeito de Tarauacá, em que decidiu pela nulidade de todos os exames aplicados no âmbito do Concurso Público, bem como de todos os atos dele consequentes, sobretudo os resultados obtidos, ainda que não divulgados.
Sustenta que a decisão administrativa de anular o certame é ato desproporcional, não razoável e foge à linha do interesse público, uma vez que o impetrado anulou todos os atos do certame por meio de um decreto, sem apontar qualquer cláusula de descumprimento contratado por parte da impetrante.
Aduz que a impetrante reconheceu ser de sua responsabilidade a reaplicação das provas que frustraram a lisura do certame e não o cancelamento de todo o certame unilateralmente, como fez a autoridade coatora sem prévia comunicação à contratada. A empresa alega ainda, que a autoridade coatora prestou o concurso público para o cargo de médico, e, por não ter conseguido alcançar a nota mínima de aprovação, decidiu unilateralmente cancelar o certame, usando os poderes conferidos em causa própria.
Em sede liminar requereu que o Decreto Municipal nº 031/2016 tenha seus efeitos sustados, no sentido da não anulação total do certame, permanecendo a declaração de ofício da empresa impetrante para reaplicar as provas inerentes aos cargos de Enfermagem, Técnico em Saúde Bucal, Técnico de Análises Clínicas, Técnico de Enfermagem, Agente de Endemias, Auxiliar de Controle Interno e Fiscal Sanitário e continuar o certame nos seus ulteriores termos.
Este é o relatório. Decido.
Mandado de segurança é o remédio constitucional para proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for Autoridade Pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, seja de que categoria for e sejam quais forem às funções que exerçam, conforme artigo 5°, LXX, da Constituição Federal, posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica ou órgão com capacidade processual.
Conforme decisão liminar proferida no mandado de segurança de nº 0700720-55.2015.8.01.0014, interposto pela empresa CalegárioX Assessoria, Consultoria e Corretagem de Seguros Ltda em face de Fábio de Araújo Freitas, Pregoeiro da Comissão Permanente de Licitação, o pregão presencial nº 058/2015 e processo nº 1470/2015, fora suspenso, posto eivado de vícios violadores das normas concernentes às licitações, especificamente a competitividade, legalidade e moralidade, in verbis:
Diante do exposto, CONCEDO em parte a ordem postulada, para SUSPENDER todos os procedimentos licitatórios referente ao objeto impugnado até posterior deliberação do juízo de mérito, uma vez que a continuidade do certame pode prejudicar demasiadamente os direitos subjetivos do impetrante (notadamente o de participar de processo licitatório substancialmente justo e devido).
No que concerne ao pedido de habilitação preventiva do postulante, entendo que não deve ser feita pelo magistrado, e sim pelo administrador, sob pena de violação da separação dos poderes. O juízo só é permitido controlar os abusos estatais, quando importarem em violação da legalidade.
Desse modo, vê-se que o referido certame encontra-se maculado desde o seu nascedouro, porquanto, ao que tudo indica, a decisão retromencionada não fora cumprida, seguindo-se ilicitamente a efetivação do pregão, com a posterior realização de contrato administrativo e do concurso público decorrente, sem observância do mandamento judicial.
Houvera nítido descumprimento da decisão judicial pelo administrador público, culminando, indevidamente, na elaboração do certame de forma irregular, pois inexistira qualquer deliberação judicial posterior autorizando o andamento do feito ou revogando a tutela provisória anteriormente outorgada.
Aliada a tal aberração, restara comprovada a extensão das falhas havidas na provas produzidas pela impetrante, passível do comprometimento das avaliações dos candidatos, conjunto que norteia conclusão quanto ao reconhecimento da fragilidade de todo o certame, na medida em que amplamente demonstrada a quebra dos princípios da confiabilidade e da efetividade do processo seletivo.
Conforme notícias apresentadas pelo próprio impetrante, em razão de termo contratual aditivo promovido pelo Município, o certame tivera alargamento do objeto contratado, especificamente no que concerne à previsão de candidatos interessados e inscritos. Esta modificação acarretara, tendo em vista o aumento dos candidatos que prestariam o concurso, a necessidade de implementação da estrutura de prova que não fora corretamente suportada pelo impetrante.
Vale dizer, os candidatos inscritos extrapolaram as previsões da banca examinadora e, conseguintemente, o impetrante entendera por mais incrível que pareça que deveria aplicar a mesma prova em turnos distintos. Isto é, questões idênticas constavam em provas aplicadas no turno da manhã e no turno da tarde, para distintos candidatos.
Este fato supracitado vilipendiara de morte a isonomia que deve basear a realização dos concursos públicos, porquanto determinados candidatos foram indevidamente beneficiados (os que fizeram prova pelo turno da tarde) em razão de já terem possibilidade de conhecer determinadas questões e respostas das provas.
Esta imprudência quase criminosa causara enormes prejuízos àqueles que investiram tempo e dinheiro num concurso cuja lisura encontra-se enormemente maculada, extirpando qualquer confiabilidade nos atos administrativos desta estirpe. Ademais, insta ressaltar que, nos termos do item 10.9 do Edital de Abertura deste certame: "a organização, aplicação, correção e elaboração das provas ficarão exclusivamente a cargo da CALEGÁRIO, e os pareceres referentes a recursos serão efetuados em conjunto com a Comissão Especial de Concurso Público". Destarte, a desorganização é responsabilidade exclusiva do impetrante.
A manutenção do Decreto nº 031/2016 é a medida que se impõe, considerados os vícios insanáveis, que expressamente afrontam à legalidade, à imperatividade das decisões judiciais e aos princípios que norteiam a Administração Pública, de modo que solução diversa seria atentatória à moralidade, em prejuízo manifesto aos candidatos de boa-fé.
Outra absurdidade ocorrida no certame fora a participação do Prefeito de Tarauacá na condição de candidato, o que viola frontalmente o princípio da moralidade administrativa, insculpido no artigo 37 da Constituição Federal, que proíbe que o agente político máximo da pessoa jurídica que realiza o concurso, que nomeia os membros da comissão especial do certame e que, ao final, será competente para homologar ou não o certame , participe como candidato, pois, além de violar frontalmente a moralidade e o princípio republicano, atenta também contra a isonomia.
Ou seja, não é justo que a autoridade que dita as regras a serem seguidas pelo certame seja também um de seus candidatos. É ato de extrema torpeza assinar todos os editais relativos ao concurso público e ter parentes participando deste mesmo certame: o que dizer, então, quando é o próprio Prefeito Municipal quem se submete à aplicação das provas?
Diante do exposto, DENEGO o pedido liminar para que o Decreto Municipal nº 031/2016 continue surtindo efeitos até posterior deliberação do juízo de mérito, eis que a matéria posta à apreciação demandará o contraditório e a realização de prova para constatar o alegado pela autora, bem como, também não se verifica a ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação com a manutenção da vigência do decreto até o desfecho da presente ação.
Determino que as partes, no prazo de 10 (dez) dias,manifestem-se acerca do cumprimento da decisão liminar proferida no mandado de segurança de nº 0700720-55.2015.8.01.0014, explicando, se for o caso, como que se fizera o pregão, malgrado decisão judicial dispondo em contrário. Sob pena de envio destas informações ao Parquet, para início de persecução criminal de infração prevista no artigo 359, do Código Penal.
Cumprida esta liminar, notifique-se a autoridade indicada como coatora para prestar, em 10 (dez) dias, as informações que achar necessárias, nos termos do artigo 7º, inciso I, da Lei nº 12.016/2009.
Decorrido esse prazo, com ou sem resposta, dê-se vista ao Ministério Público, para apurar eventual prática de improbidade e infrações penais, em razão da conduta dos agentes públicos envolvidos que, conquanto cientes que estariam diretamente envolvidos no processo de homologação do certame, se inscreveram como candidatos; e da banca examinadora (assim como de seus agentes) que, com sua atuação imprudente, desidiosa e improba, frustraram a licitude do concurso público (sem excluir as demais hipóteses previstas nos artigos 9º e 10 da Lei Federal nº 8.429/92).
Cite-se a Prefeitura Municipal de Tarauacá, para, em querendo, contestar o pedido, no prazo legal.
Intimem-se.
Marlon Martins Machado
Juiz de Direito